Interview with André Benjamim

Published 2013-10-04.
1 - Realidade e ficção no romance?
Não há tal coisa num romance. Num romance, a realidade é ficção, e a ficção é realidade – se assim não for, então não é de um romance que se trata. Portanto, seria igualmente verdade dizer que tudo é realidade, ou que tudo é ficção.
A realidade que possa existir por detrás da escrita, torna-se ficção ao ser transposta para um romance (ou qualquer outra forma de literatura, ou arte), pois está dependente das memórias, e da forma como são evocadas, dos significados que lhes são atribuídos, das ideias através das quais os narradores as exprimem. Por outro lado, a ficção torna-se realidade, ao ser intuída pelos leitores.
Se, ao ler-se um romance, não se acreditar que aquilo que se está a ler é realidade, então todo o prazer que a leitura, potencialmente, possa proporcionar, se esvai: não vale a pena continuar a leitura.
E isto, julgo, é verdade para qualquer romance, seja uma história fantástica ou realista... Em suma, acredito que é irrelevante para o leitor saber o que é realidade-realidade, e o que é realidade-ficção... Talvez, se fosse um romance histórico, isso fosse importante...
A existência uma nota introdutória, alertando para o facto que o romance é baseado em acontecimentos verídicos, tem apenas que ver com uma questão de honestidade e sinceridade, tanto para quem lê, como para o autor, e para aquelas pessoas em quem a narrativa se baseia...
Além destas, há muitas outras pessoas que, se lerem o livro, podem identificar alguns dos episódios relatados. Isto é mais tangível na narrativa do Sébastian, em que a narrativa é mais crua, que na narrativa do André, onde os factos estão mais diluídos e difusos; no entanto, também nesta haverá pessoas que podem afirmar: “É de mim que ele está a falar!”
2 - Motivação para escrever o romance?
Acredito que a Literatura deve ser comprometida com a realidade; deve servir para abrir novos horizontes, alargar os pontos de vista, estar na demanda da verdade. Como tal, o que me motiva para escrever, é principalmente a procura de novas perspectivas sobre a existência, nomeadamente, a forma como nos relacionamos em sociedade. Este romance é em grande parte uma reflexão sobre o modo como nos relacionamos uns com os outros, e com nós mesmos; sobre o modo como nos enganamos a nós próprios e aos outros... O que muitas vezes é quase natural, no sentido em que as trocas que estabelecemos uns com os outros estão sempre sujeitas ao equivoco... Há uma impossibilidade de comunicar, porque aquilo que para nós tem um significado, no Outro pode ter um significado completamente díspar...
Gosto dos romances que são como laboratórios sociais, onde se testam hipóteses sobre como seria, ou como será, o relacionamento entre os seres humanos, se certas variáveis estiverem presentes... Dentro deste modo de encarar a Literatura, há um escritor que actualmente me dá bastante prazer ler, o americano Michael Cunningham, pois cada livro/romance seu, me parece um laboratório social onde se fazem experiências... Gosto de escrever porque sinto que a Literatura pode mudar o estado das coisas, tem o poder de mudar o mundo, ainda que mude um pouco de cada vez...
3 - Expectativas com a publicação do romance?
Espero que consiga levar aqueles que o lerem a reflectir, a colocar questões a si mesmos... independentemente de quais forem essas questões... Não quero dizer a ninguém o que está certo ou errado, nem quero dizer a ninguém: vão por este caminho. Isso seria completamente o oposto daquilo que defendo; contudo, estou consciente que a maioria das pessoas procura uma moral, “a moral da história”, como me disseram algumas pessoas que já leram o livro... Espero que a história não tenha nenhuma moral nesse sentido, mas que leve as pessoas a interrogarem-se, sobre o modo como se relacionam, consigo mesmas e com os outros, já que o romance fala essencialmente disso, de relações... E faz perguntas, não para dar respostas, mas para questionar a realidade, a verdade... que deve sempre ser questionada; não devemos aceitar as coisas passivamente... devemos ter uma atitude de continua interrogação... só assim poderemos evoluir um pouco...
Dito isto, espero que as pessoas gostem do romance, que a leitura lhes proporcione algum prazer, mas que lhes provoque um certo mal-estar, um mal-estar positivo, que as leve a mudar de atitude...
4 - Escrita: inspiração ou trabalho?
Disposição. Uma constelação de factores, como motivação, intenção, e meios: um bom dicionário dá sempre jeito, e um computador ou papel e caneta são essenciais. A inspiração, virá do trabalho. Pode-se ter uma “inspiração”, uma ideia inicial, mas transpô-la para o papel exige trabalho.
Depois, a verdadeira inspiração, é aquela que há-de aparecer. Às vezes, depois de muitas tentativas, encontrar a conjugação de palavras certa, que expresse uma ideia qualquer, que não se sabe bem como dizer... Essa grande “inspiração”, mítica, de que sempre se fala, pode por vezes ser um enorme diamante em bruto, mas se não houve inspiração a poli-lo (que é a pequena inspiração que vem do trabalho), não valerá de nada...
5 - Pornografia ou erotismo?
Tenho dúvidas acerca do que é ou não é pornografia. Se se descreve uma sala, um ambiente, um objecto, um estado de espírito, etc., ao pormenor, até ao ínfimo detalhe, porque não fazer o mesmo com o sexo?
Afinal, o que é que o sexo tem que se não possa descrever com o à-vontade com que se descreve outra coisa qualquer?
Um texto é pornográfico, ou quem o lê é que está pejado de preconceitos?, uma culpa miudinha, como a de uma criança que pensa que não pode fazer algo, mas que no instante antes de o fazer, já sabe que o vai fazer... e o coração começa a bater mais depressa...
São as palavras utilizadas que estão carregadas de significados conotativos? As palavras, a literatura, o sexo, não têm responsabilidade e, portanto, não têm culpa, do sentido pejorativo, nefasto, que lhe atribuem.
Quem ache o sexo nojento, que haja com a habitual pudicícia de quem deseja muito algo, mas acha que não deve fazer... Que espreite, com olhar enrubescido, por entre as frestas dos dedos conveniente abertos, e convenientemente tapando os olhos: é que não é para não ver, é para que os outros não vejam que vê... A quem tiver pejo de descrições mais ousadas, aconselho a leitura de “Opus Pisturum”, de Henry Miller, ficará certamente vacinado contra esse mal!
Considero que um texto deve usar as descrições necessárias para transmitir a ideia que se propõe. Se for sexo, que se façam as descrições necessárias... Será pornográfico a partir do momento em que passar do limite do necessário, e entrar na fronteira da mera exploração do tema.
Pessoalmente, prefiro o erotismo, de maneira a levar o leitor a usar a sua própria imaginação; enquanto modo de sugestão, tem um maior potencial de aproximação à sensibilidade de cada leitor. Contudo, o uso de descrições pornográficas é tão natural como qualquer outra descrição.
6 - Livros e/ou autores favoritos?
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos, em especial), Mário de Sá-Carneiro (“A Confissão de Lúcio”), Yukio Mishima (“O Tumulto das Ondas”, “Confissões de uma Máscara”), José Saramago (“O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “Ensaio sobre a Cegueira”), Franz Kafka, Jean-Paul Sarte, Albert Camus, Boris Vian e Lewis Carroll (autores non-sense), Sophia de Mello Breyner Andresen, Michael Cunningham, Luigi Pirandello (“Um, Ninguém e Cem Mil”), Eça de Queirós (“A Reliquia”, “O Crime do Padre Amaro”), Antoinne de Saint Exupéry (“O Principezinho”), Vergilio Ferreira (“manhã submersa”), os contos de Oscar Wilde, Italo Calvino, “Dom Casmurro” Machado de Assis, Henry Miller, os contos de Edgar Allan Pöe, Miguel Torga, Mark Twain, Pablo Neruda, Pier Paolo Pasolini, Mario Cesariny (exceptuando “O Virgem Negra”), Louis-Ferdinand Céline (“Morte a Crédito”), George Orwell, Gabriel Garcia Marquez, Jorge Amado, Mario Vargas Llosa, Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro, José Rentes de Carvalho....
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Books by This Author

Os Cadernos Secretos de Sébastian
Price: $3.99 USD. Words: 72,690. Language: Portuguese. Published: October 1, 2013 . Categories: Fiction » Romance » General, Fiction » Romance » Contemporary
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Olhava para ela. O desejo que me acalentara e mantivera vivo realizara-se. Ela voltou para os meus braços. Mas não era a ela que eu desejava. Era a outra ela que existiu, em mim, através dela. Agora sabia que nunca poderia ser minha. Sabia que nem eu próprio me poderia entregar. Não era eu que ela queria. Era a outro que ela recriara em mim. Existimos nos outros em milhões de versões diferentes.