“Contos Breves” são as primícias de Olinda Gil. Primam por uma linguagem acessível e enredos escorreitos, de verbosidade enxuta. As histórias que integram este livro distribuem-se fundamentalmente por duas categorias:
- Os contos realistas – que narram episódios e personagens que poderiam pertencer ao quotidiano de qualquer um, caso de “Numa Memória uma Ruga”, “O Hotel”, etc.;
- Os contos fantasistas – que remetem para criaturas fantásticas, objectos animados por personificação (o lápis, a história, a vela, etc.), acontecimentos mágicos, planos oníricos ou incríveis dramas psicológicos, como sucede em “O Eremita”, “O Mestre de Ioga”, “O Pai”, etc.
Entre todos os textos, destaco quatro que mais me cativaram:
- “Liberdade de Escrita” – expurga o defeito de que sofrem geralmente os concursos literários, pois, ao imporem um tema específico, abolem logo à partida a improvisação, o delírio livre das musas, peticionando escribas pré-programados, cuja inspiração e criação são forçadas a vergar-se para caber num molde prévio;
- “A Rua do Memorial Perdido” – leva-nos a constatar que, na livraria dos livros por escrever, “que ainda não foram escritos”, o autor só entra já morto (“Não vês a morte diante de nossos olhos?”): assim é, as palavras que se depositam no suporte são necessariamente o sudário de uma voz cuja intensidade já esfriou, de um pensamento cuja actividade já se finou, de uma presença viva que se apaga em resquícios de passado (um “Memorial”);
- “Silêncio” – um dos contos mais pequenos e, no entanto, tão pleno de actantes – a sombra das árvores e o vento calmo como elixir da vida e da alegria, o caminhante sem destino que chega pela manhã, a igreja com um casal à porta, o rapaz traz guitarra, a rapariga flauta, um velho padre é seguido por eles, todos cumprimentam um pedinte, uma velha senhora dá-lhe esmola, e quando enfim o silêncio se faz, o repique das horas por toda a cidade -, onde aparentemente nada se passa de extraordinário, tudo poderia ser a encenação de um teatro cósmico, ainda que inconsciente (é a própria autora que declara no início da obra ter escrito “pequenas narrativas inconscientes”), com a virtude de nos despertar para um som-ambiente há muito soterrado sob decibéis e decibéis de poluição sonora acumulada (carros, aviões, turbas de tagarelas…), essas ondas físicas com o poder de desestruturar os corpos e causar a patologia crónica de que talvez mais sofram os citadinos, vulgarmente conhecida por “stress”;
- “Xadrez Alcoolizado” – a mera descrição de um jogo recebido de presente consegue catapultar a nossa imaginação para um nível superior: é a vida que ali se joga, entre a sobriedade e a ebriedade, e aos perdedores resta caírem embriagados no xeque-mate.
Este é um livro relaxante para ler nas horas vagas ou para descomprimir de outras leituras mais pressurizantes.
(reviewed the day of purchase)